sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Abordagem no metrô

(Homem pensativo e hesitante, próximo à porta, perto de desembarcar. Dirige-se à mulher, chega o mais perto que é possível sem parecer inconveniente e diz, quase ao pé-do-ouvido, olhos nos olhos)

- Olá, tudo bem?
- É questão de fascínio. Não que eu queira acreditar que dê em alguma coisa, mas, como proposta, acho interessantíssimo ter seu telefone para manter contato. Poderia me dizer, por favor?

Ela sorri. Os filhos de ambos serão lindos.

Abordagem I

Aula com o assim intitulado professor de Abordagem I, Thiago Fico.

“Se você quer chegar em um carinha na 'buatchy', comece assim:

- Blusa legal a sua, me amarrei nela. Em que loja a comprou? *1
- Na loja XXX.
- Já viu as da Contemporâneo? *2
- Quê?
- Contemporâneo, uma loja nova lá em Ipanema.
- Ahn. Desconheço. Fica exatamente onde?
- Em uma galeria na Visconde de Pirajá. Vende roupas bem legais também; tenho uma amiga que trabalha lá *3. Aliás, quando for lá, pode procurá-la e citar meu nome; quem sabe rola um desconto. A propósito, Thiago. O nome dela é Monique.

*1 – No fundo você nem liga
*2 – A loja não existe, óbvio.
*3 – Certamente mentira por tabela.
*4 – Não precisa ser mentira, é possível ter uma amiga.

Então pronto, já começou a falar com a pessoa com um assunto descontraído; quebrou o gelo inicial (a pior parte) com, digamos, classe.”

* * *

Eu muito precisei disso hoje. Gostaria de ter essa, digamos assim, desenvoltura. (Só a consigo quando bêbado, que coisa deselegante.)
A menina embarcou no trem na estação Carioca. É branca, esguia, com belos e cheios cabelos castanhos; tudo na medida. Na me-di-da: mignonzinha, braços finos e torneados, calça a pousar nas pernas. Aparenta ter vinte e alguns anos.
Tem um ar sério – me encanta – que algo me lembrou a namorada de Fernando, amigo de amigo, última vez visto em alguma segunda-feira na Casa da Matriz. Em uma ou duas vezes olhei e fiquei com receio de ser a própria. “Eu, cantar mulher alheia? Não, não”.
Acontece que não poderia ser porque a menina do metrô tem as feições mais buriladas. É portadora daquele tipo de beleza que, ainda que não me desperte tesão, me encanta. E muito. Aquela coisa sublime, diria, que me dá vontade de estar perto, abraçar, beijar, afagar, pôr a cabeça no colo e dormir.
Meditabundo fiquei a recender coragem em mim para abordá-la e, mais, fazê-lo com o assunto específico – aquele que sempre pensamos ser o infalível. “Não existe gente difícil, existe cantada mal dada”.
Nisso a olhei e olhei – não notei que me retribuísse, o que me desencorajou – as estações passaram e, perto da qual eu teria de descer, eu já me conformando com a perda, com o fato de jamais torná-la a ver, aconteceu daquelas coisas de filme, daquelas coisas cósmicas que acontecem para o covarde perder a desculpa para não agir e, assim, não se crer covarde: o trem parou.
Eu hesitei, ainda não escolhera o assunto: não sabia falar chinês (ela sacara um livro da mochila) para, com algum gracejo, chamar-lhe atenção. (Agora, já tarde, me ocorre: poderia ter ao menos dito ‘nihao’. Ainda que japonês, tudo é perto; deve ter algo parecido.)
Em verdade não tive é coragem. Tive medo de ser rechaçado por algum assunto impróprio, pela cantada mal dada. A única que pensei (e sempre sou direto, cruzes), foi: “Olá. É questão de fascínio. Não que dê em alguma coisa, mas acho interessante ter seu telefone. Pode me dizer?”
Dali a alguns segundos voltou a correr e estacou na Largo do Machado. Desci e vim para o Palácio, pensativo: “assim como ela existiu para mim, outras pessoas existirão. E eu também existirei para outras pessoas sem que, no entanto, se deva pensar que isso signifique mais do que foi.”
Acho que esses flertes individuais nascem e morrem, têm de ficar onde estão: apenas no campo da possibilidade. Até para a leveza e distração do dia.